Eu sou Alice


 

Algumas princesas colecionam sapos em vitrines, sabem de cor que os príncipes são enjoativamente doces e fazem da sua torre um lugar encantado.
Algumas gritam com os espelhos e se tocam sob os lençóis.
Outras abafam o choro em travesseiros coloridos, mas não desistem de tentar.
Elas perdem a razão e não dão a mínima pro trono.

Hipocondria


Já morri quase dez mil vezes e continuo aqui;

Cansada de contar cada ocasião heróica que me envolvi sem querer;

Sem notar mudanças ao mesmo tempo em que sou outra a cada amanhecer.

O ar arde em meus pulmões e as mentiras reviram em minha mente.

Os comprimidos dançam em minha língua e se dissolvem antes que eu me lembre o porquê de tantas cápsulas.

Os amarelos fazem meu coração disparar, mas deixa os músculos alheios a cobrança da consciência.

Os azuis me levam para onde eu quero estar, e o único inconveniente são as vozes insistindo que eles me farão mal algum dia, dia esse que ninguém sabe se vai chegar.

Aqueles begezinhos são para corrigir um deslize da natureza.

Tem uns pequeninos geralmente cor de rosa, que são profiláticos, evitam dor de cabeça causada por serezinhos barulhentos, esses eu quase não ingiro, não me caem bem.

As drágeas cor de laranja aliviam embora temporariamente a pressão que força minha cara feia.

Já os branquinhos, há para todos os gostos; pequeninos indicados para viagens no seu sentido literal, mas para mim metafórico. Os que têm que ser partidos caso eu queira levantar no outro dia. Tem também aqueles sonsos, mas que dão conta das lagartixas que devoram meu estomago.

Nem vou falar das cápsulas coloridas que promete me deixar bonita, porém o que enxuga são meus bolsos.

Sempre que encontro um que seja realmente avassalador como as gotinhas envoltas em uma misteriosa cinta negra, eles dão um jeito de me tomarem ou controlam a posologia e eu não posso aproveitar as reações adversas.